Visita inesperada

Chie se deixou passar alguns minutos observando o hospital; como praticamente tudo em Tóquio, ele era imenso! Respirou fundo e atravessou os calmos jardins frontais, onde alguns pacientes e acompanhantes passeavam. Ao entrar no hall, ela parou novamente ao ver um grande painel indicativo que mostrava a direção para os diversos centros especializados de lá.

Correndo os olhos pelas informações, ela estava de boca aberta; ela sabia que eles eram uma instituição completa, mas aquilo era ridículo! De acupuntura à terapia nuclear, eles tinham TUDO! Quem sabe até...

- Você carrega um jaleco; é médica? Mas pela sua expressão de surpresa, deve ser nova aqui. Essa pasta me lembra a faculdade; é residente? E você é realmente linda! Por favor, seja a Motsuoka-san.
- Yohji Kudoh-sensie? – Chie se virou, sorrindo, tentando em vão não corar – Por favor, me chame de Chie.

O médico sorriu de volta, e se pos a explicar sobre o hospital, enquanto guiava Chie. Era realmente algo de outro mundo; nada meramente parecido com o que ela encontrava nas cidades menores. Internamente, ela agradecera a Aya por insistir em Tóquio. Talvez fizesse um jantar comemorativo de boas-vindas.

- E aqui é nossa ortopedia. Eu sei que sua inscrição é para pediatria, mas acredite, com essa moda de artes marciais, nós não estamos dando conta de todos os moleques que aparecem aqui...

Enquanto Yohji falava e andava pela sala, a atenção de Chie era constantemente atraída para o aparelho de telefone que não parava de tocar.

- YOHJI! ATENDA ISSO! – uma voz de mulher gritou do corredor, impaciente, fazendo Chie pular de susto, ao que Yohji suspirou.

- Algum problema, sensei? – Chie começava a se preocupar a respeito do profissionalismo de seu supervisor.

Mas quando o telefone voltou a tocar, ele ficou sério, e parecia muito cansado. Respirou fundo mais uma vez, e atendeu. Chie pode ouvir alguém muito nervoso do outro lado, apesar de entender as palavras. Yohji, por outro lado, parecia entediado.

- É ensino público. Você não podia esperar apenas cólicas e dores de cabeça! – ele dava continuação a uma discursão que parecia ter sido repetida muitas vezes - Não me diga que você está com medo de crianças. São só umas briguinhas... – a voz do outro lado o interrompeu novamente, e Yohji passou a usar um tom ameaçador - Você sabia que era trabalhoso. Por que acha que o pagamento é tão bom? – mais frases nervosas, um grito e uma frase final - Certo, mas vou te transferir para o fim do mundo! – uma gargalhada quase histérica foi a última coisa que Chie ouviu antes de Yohji bater o telefone contra o gancho - Maricas... E ainda quer ser chamado de médico...

- Sensei... tudo bem? – Chie repetiu, agora sem fazer ideia do que acontecia. Não era por desleixo que Yohji não atendera. Era como se ele soubesse o que vinha pela frente.

Yohji olhou para sua nova estagiária longa e reflexivamente. Depois analisou seu histórico e suas notas na prova de residência, para então ovltar a medi-la e a refletir.

- Diga-me, Chie-chan… você tem coragem para lidar com crianças?

Chie não entendera o que estava acontecendo no momento, e quando dera por si, já estava no carro de Yohji, a caminha de uma... escola?

Ele tentara começar a lhe explicar a situação diversas vezes, mas o celular dele não parava de tocar, e ninguém parecia muito feliz. Olhando pela janela, Chie começava a reconhecer as redondezas de casa, e sua testa começou a franzir em indagação.

- Lumina High School?! – ela lera a placa, entre dúvida e surpresa

- Sim, Lumina. Aquele maluco do Kasuka Ryouji acha que deixar os alunos se arrebentarem livremente é uma recepção. Deve ser o único colégio da rede pública que tem um médico ao invés de um enfermeiro. - Yohji encarava os portões com raiva. Chie podia sentir o chi que emanava do lugar. Aquilo era uma escola?


- Como assim, "se arrebentar livremente"? - Chie começava a se preocupar de verdade; Aya estava dentro daquele lugar!

- É a ideia deles de pertencer ao grupo. Além de ajudar a acalmar os veteranos. Alguns destes gartoos vão se tornar amigos, companheiros de gangue e irmãos de sangue. Outros vão virar desafetos e tentarão se matar ao longo do ano. - Yohji suspirou, novamente parecendo cansado. Foi quando um funcionário abriu o portão apenas o suficiente para uma pessoa passar por vez.

Eles deram a volta por fora dos prédios principais, mas Chie ainda podia ouvir os sons de briga. E de gritos. Ao fundo, um prédio menhor e mais baixo parecia imerso numa estranha calma.

- Ali ficam as salas dos professores, diretoria e secretarias, além da enfermaria. Deram um jeito de afastar a parte administrativa dos alunos, então, só aparece aqui quem realmente precisa. - Yohji lhe explicava enquanto eles subiam um lance de escada - Além das brigas, alguns alunos ainda são mal-educados ao extremo, e funcionários já foram agredidos mais de uma vez. O pagamento é muito bom, mas a maioria acha que não vale a pena... Então, todo ano, nesta época, eu sempre tenho que assumir o posto...

- Eu faço. - Chie interrompeu, decidida. Aquele lugar parecia problemático, mas ela podia lidar com crianças. Desde que pudesse ficar de olho em Aya, ela podia lidar com qualquer coisa. E se ainda iria receber bem para isso...

- Amanhã eu pergunto de novo. Não tenha vergonha de mudar de opinião, se quiser. - Yohji sorriu, entre pena e alegria, e abriu a porta da enfermaria.

Chie se surpreendeu; em suas andaças por cidades pequenas ela já havia trabalhado em hospitais que possuiam enfermarias menores que aquela. E menos equipadas. Aquele lugar ocupada tranquilamente metade do andar, e estava até que cheia.

- Hei velhote! Aquele fresco que você trouxe não durou cinco minutos! - um garoto sentado sobre a mesa que seria do médico parecia extremamente arrogante, apesar do sangue que escorria de sua testa, obrigando-o a manter um olho fechado - Veio cuidar da gente de novo?

Você tomou uma surra de um calouro e quer chamar alguém de fresco? - Yohji pagou a provocação na mesma moeda, ao que alguns outros garotos riram.

- Foi um acidente de percurso. - o garoto olhou de forma ameaçadora para os mais novos que riam - Mas ao menos eu não saí correndo e gritando.

Chie não demorou a perceber que aquele tipo de atitude era o que faria ela durar naquele colégio, então respirou fundo e saiu de trás de Yohji, olhando para o garoto de queijo erguido.

- Então eu sugiro que você levante de minha mesa, a não ser que prefira que eu lhe ponha para correr e gritar.

Todos os alunos ficaram em silêncio instantâneo, e o garoto desceu da mesa, boquiaberto. Yohji não segurou o riso.

- Esse ano eu não vim cuidar de vocês, mas sim lhes apresentar a doutora Motsuoka. Sejam bonzinhos com ela, sim? - o médico sorrira para Chie, aprovando. Talvez ela tivesse a fibra necessária para aquele lugar.

Ela sorriu de volta para o orientador, e olhou novamente para o garoto, agora de pé à frente dela, aparentemente envergonhado. Chie sorriu amavelmente, assumindo uma atitude mais doce, mais sua. Metade dos alunos coraram instantaneamente.

- Muito obrigada. Agora, se você puder sentar naquela maca, eu vou só lavar as mãos e cuidar dessa sua testa, sim?

Yohji se deixou observar enquanto Chie costurava a testa do aluno. Quando ela terminou, o garoto ouviu atentamente as recomendações dela, e agradeceu até que de forma razoavelmente bem educada. O médico sorria satisfeito; ela era perfeita para aquilo!