Quatro da manha, como de costume despertara de meu sono, era a hora que adaptara meu organismo para começar meu dia, sei que apenas cinco horas de sono por dia era algo impensado e incomum, mas eu já estava acostumado, minha rotina no circo me forçava a isso não somente ela meu treinamento com minha mãe e meus rituais matinais exigiam que eu fizesse isso. Minha mãe já estava desperta e em oração, naquele momento eu sabia que ela não estava no mesmo nível que eu, sentia uma força ao redor dela, uma harmonia única que jamais havia sentido. Levantei-me e fui lavar meu rosto, sentei-me ao lado de minha mãe e entrei em meditação, eu conseguia me concentrar, mas mesmo assim sentia que faltava algo, dentro de mim havia uma inquietação, uma euforia, um medo. Sem conseguir eliminar essa sensação levantei-me e fui comer algo, peguei uma maçã e juntamente com um copo de leite de soja fiz meu desjejum.
_Akira, meu filho- disse minha mãe colocando a mão em meus ombros- você tem um potencial incrível, mas não deixe o chi te controlar você deve controla-lo, ele é sua conexão com o mundo, venha vou te ensinar algo.
Após minha refeição fiz uma ligeira prece agradecendo ao alimento que não me faltava e a segui. Ela me levou a um lugar ermo e me pediu para ouvir meu coração, o vento não me deixava concentrar e o frio era um incomodo a mais.
_Não consigo, o barulho do vento é intenso aqui – eu disse quando olhava para ela.
Qual foi meu espanto ao ver que o vento parecia não afeta-la, suas roupas longas e de uma leve seda não se moviam, era como se ao seu redor o vento encontra-se uma barreira, sua serenidade e sorriso eram algo que ao mesmo tempo em que me encantava me inspirava. Sem dizer uma só palavra ela me ensinava a cada gesto.
Ouvir meu coração começou a ficar menos difícil, o assobio do vento estava diminuindo e comecei a me ouvir, sentia o meu ritmo cardíaco acelerar e diminuir seu ritmo era inconstante, irregular a ponto de me deixar triste. Minha mãe estava novamente ao meu lado e eu não sabia se olhava para ela ou não, estava envergonhado.
_Meu pequeno Akira, entende agora que você tem que primeiro se entender, acalmar seu coração eliminar qualquer duvida ou orgulho. Vamos praticar algo novo, o Baguazhang, ele pode ser muito útil a você se conseguir incorpora-lo a seu Wu Shu, mas a minha intenção em lhe demonstrar essa nova arte marcial é por que ela é um estilo interno que tem como objetivo fortalecer seu interior, do jeito que você está jamais irá dominar sua energia interior. Primeiro você precisa se fortalecer e despir de suas vaidades nesse mundo, seu orgulho e excesso de confiança podem fazer com que você fique cego para algumas coisas e tome atitudes erradas.
Sabia que ela tinha que ser mãe, tinha que ser dura comigo quando eu precisava, mas mesmo assim fiquei chateado, percebi que ela não falara para meu mal, mas queria me educar para o mundo, (lição que comecei a entender anos depois no Japão). Suas palavras mesmo ásperas não deixavam de ter aquele carinho materno.
Os passos do baguazhang não eram tão difíceis, seus movimentos circulares me deixaram um pouco tonto a principio, mas nada que me afetasse seriamente, era uma expressão que meu corpo demonstrava do Tao, deixei meu corpo fluir novamente seguindo a energia de minha mãe, novamente ouvia de minha mãe “Akira controle seu chi , não seja controlado por ele”, eu tentava, porem eu não tinha muito mais controle de meu corpo. Ela teve que interferir, pressionando alguns pontos em meu corpo e assim fui recuperando o controle e conseguindo segui-la. Em muitos anos era a primeira vez que a vi séria, ela estava preocupada e parou ali mesmo o treino. Já estávamos ali a duas horas e tínhamos que voltar para o circo, era hora de treinar para a apresentação dessa noite.
_Mãe, o que eu fiz de errado? Não conseguia parar eu estava sentindo como se o mundo e eu fossemos um só, entendi o significado dos movimentos e suas formas, mas alem de uma imensa alegria eu senti um imenso vazio.
Ela não me respondia me encarava com um semblante sério, me analisava de cima em baixo creio que ela não via ali mais seu filho e sim apenas minhas energias, meus chakras estavam ali expostos para ela e após alguns minutos ela me disse:
_Hoje você não vai treinar para o espetáculo, hoje vou treinar você para lhe dar a base de seu desenvolvimento, quando você estava praticando baguazhang, devido a sua natureza instável, seu chi foi do Ying ao Yang e oscilava nesses extremos, sei que é sua a decisão de qual caminho seguir, mas preciso que você esteja forte para evitar a derrota em qualquer sentido que seu coração guiar.
Meus olhos agora demonstravam preocupação:
_Então eu so posso seguir por dois caminhos?
Ela entendeu meu medo, meu receio em ser dominado pelo meu lado negro, pela energia de destruição que existia desde o principio da criação.
_Meu filho, - ela disse tentando me acalmar – o conflito não é entre o bem e o mal e sim entre o conhecimento e a ignorância, mas hoje meu filho vou lhe dar a terceira opção, o nobre caminho óctuplo ou o caminho do meio.
_Como assim? Caminhar pelo meio? Entre, se não é sobre bem e mal e sim sobre conhecimento e ignorância.. é como ser esperto e bobo ao mesmo tempo?
Minha mãe já não demonstrava a passividade de antes ela estava em um estado neutro se não fosse minha visão “me dizer” diria que ela não estava ali comigo.
_Akira preste atenção, vou lhe dizer apenas uma vez, tenho certeza que parecerão palavras vazias para você, mas no momento certo sei que compreenderá. O Nobre Caminho Óctuplo é, nos ensinamentos do Buda, um conjunto de oito práticas que correspondem à quarta nobre verdade do budismo. Também é conhecido como o "caminho do meio" porque é baseado na moderação e na harmonia, sem cair em extremos. Essas oito práticas estão descritas desta forma; é a nobre verdade do caminho que conduz à cessação do sofrimento: é este Nobre Caminho Óctuplo: entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta, concentração correta.
Eu estava perdido, era muita coisa para minha cabeça, com apenas dez anos eu sabia muita teoria das coisas, entendia muito bem sobre filosofia, mas eu era incompleto, apenas teoria sem prática era eu apenas metade do que deveria ser. Mal sabia que três anos depois iria ser enviado ao Japão para transformar essa teoria em pratica. Percebendo que minha confusão mental era grande ela continuou:
_Vou lhe ajudar, lhe direi sobre a primeira prática, a compreensão correta: conhecer as quatro nobres verdades de maneira a entender as coisas como elas realmente são, e com isso gerar uma motivação de querer se liberar do sofrimento e ajudar os outros seres a fazerem o mesmo.
_As quatro nobres verdades – eu disse entusiasmado – isso eu sei começa com a realidade do sofrimento, ou seja, a vida é sofrimento, depois vem a realidade da origem do sofrimento desejo pelos prazeres sensuais, o desejo por ser/existir, o desejo por não ser/existir. A terceira é a realidade da cessação do sofrimento é o desaparecimento e cessação sem deixar vestígios daquele mesmo desejo, o abandono e renúncia a ele, a libertação dele, a independência dele e por fim a realidade do caminho para a cessação do sofrimento que é o caminho que como o nome diz conduz para que esse sofrimento acabe...
...Sim – disse minha mãe interrompendo- esse final a quarta nobre verdade é o caminho do meio. Quando você atingir esse conhecimento estará no caminho do meio e não importa bem ou mal. Agora vamos, você precisa descansar um pouco, tenho alguns pacientes para atender na cidade e quero lhe pedir uma coisa, vá brincar é sua folga seja criança e viva cada etapa de sua vida.
Desci correndo em direção a vila, infelizmente não pude perceber que minha mãe estava me dando seus últimos presentes, o conhecimento que tinha. Não ela não está morta, mas desapareceu assim que vim para o Japão. Queria ter aproveitado mais, e não ter me desviado do caminho como fiz na tarde do meu primeiro dia de aula.