Inicio de ano e finalmente uma folga das atividades do circo, apenas uma semana, mas daria para me distrair, a última temporada havia sido intensa, excursionar pela China tinha suas vantagens eu conhecia muita gente de varias partes e aprendia com eles, na verdade aprendia mais com os aldeões do que com os governadores e o presidente. Sim eu o conhecia, mas para mim era apenas mais um. Via a simplicidade do povo do campo e aprendia muito com aquilo, sua humildade e muitas vezes inocência me faziam acreditar em um mundo melhor. Um senhor em uma cidade perto da fronteira norte da China me disse que o melhor presente que se pode dar a alguém é a pureza de caráter, me disse que os olhos são o espelho da alma e que se você estiver convicção do que quer ao olhar nos olhos de uma pessoa ela pode ler você e você pode lê-la (fato que creio não ter funcionado futuramente, mas isso é outra história).
No momento o interessante é chegar à festa, sim uma festa, estávamos em Guangzou, quando soube do festival das lanternas ou Yuan Xiao Jie, o festival de Yuan Xiao. "Yuan" significa aqui o primeiro mês do ano, "Xiao" significa "a noite", e "Jie" significa "o festival". O nome veio porque esta é a primeira noite de lua cheia depois do Ano Novo. Nesta noite pessoas comem uma comida especial chamada de Yuan Xiao, ou podem participar de uma feira das lanternas, e decifram as charadas das lanternas. Em muitas áreas, nesta noite há também outras celebrações, como a dança do dragão, a dança do leão, a dança do tambor da paz, dança das pernas de pau, e diversos tipos de danças folclóricas.
Ia me divertir com as outras crianças do circo, já havia ajudado a cuidar dos animais e poderia me divertir, corríamos por entre as barracas do festival, comíamos os doces, entre uma apresentação e outra víamos as barracas de vendas, ali se encontrava de tudo, mas o que me chamou a atenção foi um colar duplo com o símbolo do Yin Yang, fiquei encantado com ele, mas assim que fui pegá-lo.
_ Tira as mãos daí moleque, este colar é de jade, não são para pessoas como você. – Disse o vendedor, um senhor cheio de pompas, exibindo uma bengala e um chapéu engraçado.
_Desculpa senhor, apenas queria olhar, sinto por tê-lo ofendido.
Com um golpe de sua bengala ele acertara minha mão, fiquei ruborizado e olhei ao redor como se procurasse uma rota de fuga daquele lugar, meus olhos encontraram uma garota linda, cabelos negros e longos, olhar vago como se duvidasse de algo, pele clara como a neve e lábios vermelhos como as flores de cerejeira (sim já havia ido ao Japão com o circo) me observava, por segundos nossos olhares se cruzaram, segundos fatais para mim que levei outra bengalada nas costas e cai de joelhos.
A garota se aproximou e me ajudou a levantar, parecia deslizar por entre as pessoas que assistiam aquilo sem se importar ou evitando confusão. Ela mandou o homem parar de me agredir, mas em vão. Ele novamente levantou a bengala e ia atingi-la, fato que foi em vão, pois me levantei e fiquei entre ela e o golpe. Creio que levei mais umas duas ou três bengaladas antes de dois senhores de terno, bem distintos, e com uma tatuagem que já havia visto apenas não me recordara onde, segurarem a mão do homem.
_ O que está acontecendo aqui? –perguntou um dos homens- sua voz parecia quase mecânica, era de uma frieza imensa.
O vendedor ao olhar para os dois se assustou, ao encara-los ele começou a fazer reverencias pedindo desculpas e dizendo:
_Foi esse garoto e essa menina estranha que fizeram uma bagunça, tentaram me roubar e eu só me defendi. Não queria confusão eu juro.
Eu estava horrorizado, jamais pensaria em roubar alguém e essa garota que veio me ajudar também estava encrencada. Os homens me olharam seriamente, me coloquei novamente na frente da garota, lutaria se preciso fosse, mas devolveria a gentileza a ela. Novamente o homem que antes perguntara sobre a confusão voltou a falar.
_Foi isso mesmo que aconteceu, Shi?
A garota se adiantou a mim, eu estava juntamente com o vendedor boquiaberto, eles se conheciam? Seria um deles pai dela?
_Não, esse homem agrediu o garoto sem mais nem menos, ele estava olhando quando foi agredido e me protegeu quando ia ser agredida.
O horror do vendedor era grande, pedidos de desculpas vinham dele a todo o momento.
_Saiam daqui- disse o amigo de Shi- agora com um tom amável para nós,vão aproveitar a feira.
Obedecemos e continuamos a caminhar, tentei olhar para trás mas ela não deixou.
_Obrigada por me proteger, por que fez isso? –ela disse sorrindo
_Pelo mesmo motivo que fez você, tentar me defender. - respondi devolvendo sorriso.
_Eu não achei certo você apanhar por algo que não fez e eu senti quando te vi como se...
_... já nos conhecêssemos antes.
Ela olhou para mim não precisava dizer muita coisa, eu tinha acertado o final da frase e sabíamos que aquilo não era uma cantada ou algo assim, sabia que era uma ligação. Ficamos em silencio por minutos, riamos um pouco do nada como se nossa conversa fosse mental. Então quebrei o gelo.
_Shi, não gostei do seu nome, ele é feio parece morte e eu devo a você minha vida. Já sei vou te chamar de Seikatsu , combina bem mais com você, é japonesa né? Já fui até lá umas duas vezes e sei falar bem o idioma.
Ela se corou, estava tímida, talvez nunca fora tratada assim:
_Quase certo, sou chinesa, mas fui criada no Japão, Shi é apenas um apelido, que no momento por mais que goste de você, não posso te dizer o motivo. Aceito ser chamado de Seikatsu, por você, não posso explicar, mas estar com você me acalma me sinto livre das coisas erradas que fiz.
_Todos fazem coisas erradas, mas continuar errando depende de nós, não existe santo sem passado nem pecador sem salvação. Ah meu nome é Akira.
Senti que ela estava pensativa, quando o homem de terno que conversara conosco na venda chegou até nós.
_Garoto, tome e obrigado por cuidar dela, tivemos um problema e a perdemos de vista, mas descobrimos que você a protegeu. Fique com isso de lembrança e agradecimento- ele disse me entregando o colar de jade.
Agradeci imensamente ao homem, dividi em dois e dei a Seikatsu, metade. Ela agradeceu e disse:
_Obrigado Kamui, você é muito gentil, com isso seremos amigos para sempre.
Eu também ganhara um apelido, e tinha gostado, fui me despedir quando ela olhando para meu braço disse.
_Precisa de um médico, está sangrando, vamos vou te levar.
Agora eu sentia a dor, a adrenalina havia baixado e meu corpo doía, eles me levaram até um medico, mas não sem antes pedir a um garoto que também era do circo que avisasse o que ocorrera.
Alguns minutos depois o próprio dono do circo fora me buscar, não havia fraturado nada, apenas alguns hematomas. Quando ele chegou os homens levaram Seikatsu embora, e agradeceram novamente a mim por tê-la protegido, um abraço selou nossa despedida, mas sabíamos que iríamos nos reencontrar, e unir novamente o colar. Após a alta medica fui para casa e contei a minha mãe o ocorrido, tinha ficado grato por não a terem preocupado, mas vi em seus olhos uma grande tensão. Usando suas artes de cura ela eliminou toda a dor, mas não disse uma palavra até o dia seguinte.
_O festival acabou para você, Akira.